quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

1984

1984 - Causos em Volta Redonda

Em 1984 fui morar em Volta Redonda, interior do Rio de Janeiro. Lá, entre outros, toquei em uma banda de baile chamada Cravo e Canela. Fazíamos muitos bailes pelas cidades das redondezas e do interior do Rio e de Minas. Em uma delas, um lugarejo que não lembro mais o nome e que também não sabíamos exatamente onde ficava e nos guiaríamos pra chegar com um mapa feito a mão, quase o bicho pega.

Atrasamos na saída e quando entramos na estradinha de terra que nos levaria ao lugar onde ia ter uma feira agropecuária, já estava escuro. A tal estrada era pelo meio de fazendas e confuso o caminho, daí que toda casinha que a gente via, tentavamos nos informar se era o caminho certo. A maioria das pessoas não sabia. E fomos nós.

Um furgão com a aparelhagem, instrumentos e metade da banda. Paulinho e Carlos Roberto, cantores, Bilau, tecladista e multi-instrumentista, Mauro, guitarrista e mais dois carregadores, se não me engano. 
E em um carro de passeio foram: João, gente muito boa, dono da aparelhagem, técnico de som, carregador, empresário, motorista.... Durval, baixista. Roberto, baterista e eu.
Em determinado momento, o carro do João (algo da Ford..acho que era um Corcel 2) começou a ratear..perder força. Paramos, olhamos e não descobrimos nada...já estava um breu dos diabos e não tínhamos lanterna.

Fomos assim mesmo, na esperança de achar algum lugar onde pudessemos dar uma olhada melhor no carro. Claro que não existia esse lugar naquele fim de mundo.
Em determinado momento, depois de outras paradas, vimos que não iríamos longe e nos separamos. O furgão iria na frente para o pessoal ir montando a aparelhagem, que incluia o PA e nós no anda e para, rezando pra chegar ou encontrar civilização.

Numa dessas paradas, cruzamos com uma pick-up que vinha em sentido oposto. O cara parou uns 10 metros da gente, com o farol alto na nossa cara. João foi até eles e explicou o que acontecia. A resposta que recebeu foi direta. Teu carro é Ford, o meu é Chevrolet...tira da frente que eu quero passar. João voltou até a gente e nos contou...era até compreensível. Na pick-up iam o motorista, uma mocinha que parecia ser sua filha e atrás na caçamba, um cara que parecia armado e com pinta de jagunço. Nós, 4 marmanjos...quem pararia ali pra ajudar?

Eles se foram e nós tivemos que ficar ali..onde passamos a noite cabreiros e preocupados com o resto da banda, sem saber se tinham chegado, se conseguiriam fazer o baile sem a gente...e do lado deles, a mesma coisa...chegaríamos, não chegaríamos...

Dormimos do jeito que deu dentro do carro e de manhã cedinho, descobrimos o que aconteceu. Uma mangueira tinha se soltado e nessa arrancou dois cabos de vela. João deu la o jeito dele (na realidade a mangueira estourou, me parece...não manjo grandes coisas de carros) e seguimos viagem.

Conseguimos chegar no lugar. Um vilarejo, uma vila...sei lá o que era aquilo. Tinham algumas casas, o galpão onde tocamos e alguns currais. Armaram umas tendas e eram os bares..bem rústico o treco. O resto da banda nos recebeu e contou como tinha sido a noite.
Chegaram tarde, estava cheio o lugar e com o povo já reclamando. Montaram tudo e tocaram do jeito que deu.

Nesses lugares o povo leva a sério os compromissos e quebram tudo se a outra parte não cumpre...incluindo as pessoas.

Fizeram um apanhado, Paulinho pegou no baixo..cada um se virou como sabia e bem ou mal, rolou o baile...que acabou cedo porque teve porrada entre o público. Eles foram ameaçados também...me parece que o baile não foi muito bom.

O dia foi passando, as pessoas circulavam pelo lugar e volta e meia cruzavamos com algum mal encarado querendo arrumar confusão conosco...ignorávamos, é claro. O segundo baile, acho que pela tensão que estava no lugar, não lembro se foi bom, ruim...mas parece que também teve bafafá no final ou no meio.

No dia seguinte, já com tudo guardado no furgão, como a fome era negra e não tinha nada para comer, fomos filar leite onde estavam ordenhando umas vacas. O guloso aqui bebeu uma caneca que devia ter quase um litro. 10 minutos depois eu já estava daquele jeito e muito agradecido por ter banheiro no lugar.

Fomos embora. No primeiro posto de gasolina que encontramos, tinha também um restaurante. Entrei correndo e gritando...onde é o banheiro, onde é o banheiro..

Seguimos viagem e se não me engano, pois não lembro de nada com precisão, paramos em Além Paraíba para consertar o carro. Tivemos que passar o dia lá e eu virei cliente do banheiro da rodoviária. Era pago, mas o cara que tomava conta viu meu drama e me deu passe livre para sempre que precisasse... de 15 em 15 minutos eu ia visita-lo. Chegamos de noite em Volta Redonda.




Em uma outra viagem, fomos tocar em um lugar..remoto também..e cuja estrada de terra era cheia de precipícios. Se eu durmo, não estaria aqui pra contar. Tocamos, foi tudo certo, desmontamos tudo e carregamos no ônibus.
O João também tinha um ônibus e geralmente íamos nele.
O dia começou a raiar e fomos embora. Todo mundo apagou menos eu, pois tenho dificuldade de dormir sentado.
Deitado eu apago lindamente.

Sentei naqueles bancos sozinhos na frente e fomos. Em determinado momento, reparei que o ônibus parecia querer sair da estrada. Olhei pro João e ele estava lá..impassível dirigindo. Alguns minutos depois, a mesma coisa...e era só pirambeira. Olhei de novo pro João...ele com os olhos abertos e o ônibus querendo subir no relevo de terra da beira da estrada...e de lá seria o abismo. Falei com ele e não me respondeu..aí me toquei...ele estava dormindo de olhos abertos...puro cansaço. O acordei e a todo mundo. "Galera, o João ta dormindo de olho aberto...ninguém mais dorme nessa p...."

Chegamos sãos e salvos.

  


Essa é vergonhosa mas não deixa de ser engraçada.
Fomos tocar, pra variar em mais uma cidadezinha no fim do mundo. Um lugarejo no topo de uma espécie de vale. Pra chegar lá também era sinistro. Infelizmente não lembro do nome da maioria dos lugares...mas enfim. Fizemos o baile e me engracei com uma mocinha da região. Quando o baile acabou, saí e a encontrei do lado de fora..estava na porta do lugar e ali ficamos conversando.

Derrepente, na nossa frente estourou uma briga generalizada. Entrei rapidinho, fechei a porta e fui falar com o resto da banda o que estava acontecendo....aí lembrei... "cacete...deixei a garota do lado de fora". Corri e achei a coitadinha apavorada, colada na porta feito uma lagartixa...e a pancadaria continuava comendo na rua. Puxei ela pra dentro, fiz cara de paisagem... que desculpa eu ia dar?
Não ganhei nem um beijinho que fosse.




Essa banda de Volta Redonda tinha bons músicos e um deles, Bilau, o tecladista..já falecido.. era também multi-instrumentista. Ele tinha uma Fender Strato de 1968 que eu babava. Eu tinha uma 69 e pude comparar. Eram instrumentos bem diferentes. Gostei mais da 68..tinha o som mais gordo..as 69 são mais clean e brilhantes...o braço também era mais gostoso. Gosto de um braço mais gordo e o dela era assim.
Ele não dava bola pra guitarra, até porque não tocava mais e tenho certeza que se eu lhe oferecesse em troca alguma Ibanez.. na época as Ibanez estavam em alta... ele trocaria comigo.

Eu tinha descascado a minha strato toda..ela estava soltando a tinta e eu achava feio, porque não ficava a madeira aparecendo e sim uma camada de massa que tinha por baixo da pintura. Então como eu queria pinta-la de novo, me falaram de um luthier que tinha por lá. Levei a guitarra e o cara pintou de preto..como eu queria.

A strato 68 estava sem pintura...na madeira..eu achava linda, mas o Bilau não. Aí quando ele viu a minha pintada, resolveu mandar a dele também.
Mandou pintar de azul metalico..tava na moda...detestei.

Mas o pior aconteceu. A anta do luthier, não sei porque cargas d'água, pintou também a mão da guitarra. Quer dizer, apagou o nome da guitarra e uma das provas de que se tratava de um modelo de 1968, pois os logos são diferentes e também se reconhece por eles o ano de uma Fender. Um entendido de guitarras vintage, acredito que não se baseie só nisso e se levassemos a guitarra nele, comprovaria que era um modelo de 1968, independente da mão estar pintada e os logos não aparecerem mais.

Esse luthier, depois fiquei sabendo de coisas esquisitas sobre ele.
Tipo... fazia cópias exatas de pedais da Boss em madeira, ia nas lojas e trocava por pedais de verdade quando os vendedores davam mole. Tinha fama de ladrão.

Da minha Strato ele não roubou nada, pois só levei o corpo para ele pintar...e na parte interna do corpo, em uma das cavidades tinha uma espécie de falha que seria muito difícil copiar e até perceber. Eu sabia porque fiquei procurando coisas nele que o identificassem, antes de levar pro cara...e claro, fiz umas marquinhas a mais por segurança.

A Strato 68, correu sérios riscos, pois ela foi completa para o cara pintar. Apesar de eu não crer que ele tenha roubado nada, pois me lembro que toquei nela depois e não senti diferença no som e nem no visual dos captadores, as tarrachas eram as mesmas... enfim.

Tenho péssimas histórias pessoais com luthier..não exatamente de roubo, mas de serviços mal feitos e estragos terríveis. 

Agora a parte mais triste. Alguns anos atrás quando fiquei sabendo que o Bilau faleceu, ficamos relembrando coisas e perguntei sobre a Strato dele...tinha sido roubada.


Mais ou menos no final de 84, voltei pro Rio e comecei a tocar com a Malu Vianna (já falecida) e com o grupo THC...grupo de hard rock progressivo e que gravou o tema do primeiro Rock In Rio...histórias pra mais adiante.




Que me lembre, o último compromisso que tive com o Cravo e Canela, foi fazer os bailes de carnaval de 1985.

Acrescentamos dois percussionistas...não tenho lembrança se colocamos sopros, e o resto era a galera da banda. Nos ensaios vimos que ninguém sabia praticamente nenhuma música de carnaval e como o tempo era curto, montamos os sets com músicas que tocávamos regularmente nos bailes.

O que rolava na época era Barão Vermelho, Kid Abelha, Paralamas...o rock brazuca. E foi o que tocamos, só que tudo em rítmo de carnaval e cheios de solos de improviso na guitarra, pra encher linguiça e o tempo render.
Ninguém fazia isso e foi um sucesso.

Os bailes foram em uma cidade chamada Santa Rita de Jacutinga e era famosa na região, acho que porque tinham cachoeiras...sei lá..não lembro.

Pra nosso azar, o clube em que tocamos era o da elite da cidade. Cheio de gente fresca e ficava bem vazio. As matines eram gratuitas e aí sim o clube enchia.

O clube do povão bombava e pessoas que iam lá e apareciam nas nossas matinês, ficavam amarradonas na gente e diziam que nós é que tinhamos que estar tocando lá. Diziam que a banda era ruim, e que nós eramos bons, divertidos e diferentes.

Pra não morrer de tédio nos nossos bailes, enchíamos a cara e ficavamos zoando as pessoas e nós mesmo. Paulinho, um dos cantores, (já falecido também) era um gozador e ficava comparando pessoas com gente conhecida e também colocando apelidos, conforme a vítima... e a gente tocava morrendo de rir.
Foi uma pedreira dos infernos e depois desse...carnaval, nunca mais. Banda de baile também...não mais.

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